Por Henrique Napoleão Alves
Em 1948, um empresário estadunidense, Dallas Hostetler, cunhou o conceito do “Dia Livre de Impostos”, e, entre 1948 e 1971, calculou as datas anuais em que deveria ser comemorado o Dia de acordo com a carga tributária de cada ano.
Na esteira do Sr. Hostetler e da ideologia que o serviu, em 2007 o Deputado Sandro Mabel, do PR/GO, protocolou na Câmara o Projeto de Lei 819/2007, por meio do qual propôs a instauração do Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte, a ser comemorado no dia 25 de maio de cada ano. Segundo o mesmo Deputado Mabel,
“A escolha dessa data é emblemática do entendimento de que cada cidadão brasileiro trabalha cerca de 145 dias do ano – de 1° de janeiro até 25 de maio – só para pagar impostos, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Dessa forma, justa é homenagem ao cidadão que suporta o ônus da existência estatal contribuindo com parte de seus recursos.”
Após pontuais alterações e apreciação em ambas as Casas Legislativas, o projeto foi convertido em Lei: o Presidente Lula sancionou, no dia 16 de setembro de 2010, a Lei 12.235, instituindo o Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte – “data de conscientização cívica a ser celebrada, anualmente, no dia 25 de maio, com o objetivo de mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte”, conforme apregoa o seu art. 1º.
Quero aproveitar a oportunidade para dar voz a um contribuinte que quase nunca se faz presente no debate público sobre tributação, e que é o mais desgraçado e injustiçado entre todos eles: o contribuinte pobre, aquele que continuará trabalhando muito tempo depois do dia 25 de maio para pagar tributos.
Conforme dados do IPEA, instituto de pesquisa do próprio poder público, enquanto as famílias de baixíssima renda (zero a dois salários mínimos) suportaram uma carga tributária de 53,9%, as famílias com renda mensal superior a trinta salários mínimos suportaram uma carga de 29% (IPEA. Receita pública: quem paga e como se gasta no Brasil. Comunicado da presidência n.22, 30 de junho de 2009). E o pior: como essa carga tributária é repassada aos pobres principalmente por meio do preço dos produtos, mesmo os produtos mais básicos como o arroz e o feijão, muitos ignoram sua existência.
Traduzindo as grandezas mencionadas em dias do ano, isso equivale a dizer que as famílias de baixíssima renda gastaram 197 dias para pagar tributos, contra 106 dias gastos pelas famílias mais abastadas. Entre elas estão, portanto, 91 dias de diferença, i.e., mais de três meses.
Elaborei o gráfico abaixo a partir dos dados do IPEA, de modo a facilitar a visualização das disparidades envolvidas:
(CLIQUE NO GRÁFICO PARA VÊ-LO EM TAMANHO MAIOR)
Fonte: IPEA, 2009 (dados de 2008). Elaboração própria.
Por mais louvável que seja a iniciativa de celebração de um Dia Nacional do Contribuinte, a assertiva de que o “brasileiro” trabalha 145 dias do ano para pagar tributos (que fundamenta a escolha da data) acaba por esconder o enorme fosso social que ainda nos caracteriza, omitindo que muitos, exatamente os mais humildes, estão a trabalhar muito mais para dar conta da carga tributária a eles imposta de maneira tão injusta.
Dezesseis de julho. É o 197º dia do ano. É quando os famélicos e os miseráveis terminam de pagar a conta de sua subcidadania. É também um dos símbolos maiores do nosso fracasso enquanto sociedade.
Se o Congresso Nacional se preocupa com a fixação de uma data para “mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte”, deveria, mais ainda, criar o Dia Nacional do Contribuinte Pobre, e, a partir dele, promover não só a conscientização, mas mudanças reais e efetivas na estrutura imoral, inaceitável e injustificável do seu sistema tributário atual.
Da próxima vez que alguém te disser que o “brasileiro” trabalha 145 dias para pagar tributos, responda com um sonoro “Alto lá! Isso daí é enganoso! Atrás desse ‘brasileiro médio’ existe um abismo social que divide ricos e pobres, e que impõe aos últimos um sacrifício muito maior para custear a vida em sociedade”.
A reforma tributária que precisamos não é aquela que reduz tributos indiscriminadamente, até porque o Estado precisa de recursos para garantir serviços públicos de qualidade para todos, em especial para os setores mais vulneráveis da nossa comunidade.
A reforma que precisamos é a que desonera os pobres ao mesmo tempo em que faz com que os setores da sociedade com mais condições de contribuir para o fundo público contribuam na medida da sua capacidade! Do contrário, que tipo de República teremos? Que tipo de Democracia? Em 1988, firmamos um compromisso jurídico na Constituição: o de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Precisamos levá-lo a sério.